domingo, 27 de setembro de 2009

Versos de amor livre

EU COLOQUEI MEU AMOR DENTRO DE UMA CONCHA DE MAR
SELAVA A CONCHA NOS MEUS OUVIDOS E OUVIA SEU AMAR
ERAM SEGREDOS BONITOS E O AZUL DO MAR A ME EMBALAR
EU COLOQUEI MEU AMOR DENTRO DE UMA CONCHA DE MAR

EU COLOQUEI MEU AMOR DENTRO DE UMA GAIOLA ABERTA
ELE CORRIA OS HORIZONTES E VOLTAVA, ALI PORTA CERTA
VINHA ME CONTANDO TUDO E CANTANDO A VIDA ALERTA
EU COLOQUEI MEU AMOR DENTRO DE UMA GAIOLA ABERTA

EU AJUDEI MEU AMOR A PEGAR ESTRADAS, VASTAS, ALADAS
ELE VIVIA O UNIVERSO DE VERSO EM VERSO, MÃOS ATADAS
NOSSO AMOR É A LIBERDADE E TRAZ NOSSAS VEIAS LIGADAS
EU AJUDEI MEU AMOR A PEGAR ESTRADAS, VASTAS, ALADAS

NEUSA AZEVEDO

sábado, 4 de julho de 2009

Perfeição

Não, eu não tenho para onde ir.
Se é assim tanto faz o meu passo e o vagar.
Então, cansada do nada quedei-me em busca da perfeição.
Parei estática aos pés de uma roseira.
As folhas verdes se embalavam pelo vento.
Que lindo o balançar das folhas verdes.
Mais caro era a rosa que diferente das outras,
sozinha se erguia às alturas.
Sim eu me encontrei na perfeição.
De tão extasiada segurei apertadamente um galho do pé.
Minhas mãos sangraram.
Eu havia sonhado com a perfeição.
No entanto o vermelho da rosa e o de minha mão sangrando
tinham o mesmo tom: um erguia ao céu, outro rompia no chão.
Neusa Azevedo

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Sexto Veneno

Hááá Hááá Hááá Hááá
Veneno que invento:
sou menos, armazeno.
Tento o tento do terço
na hora da voz morta.

Tudo no que mereço.
Menos que ofereço.
Sempre sou sexto filho,
Também sexto sentido.
São misturas e faíscas.


Vai vírus, vai sentido:
Dobra me refazendo.
Sentido corrompido:
Cobra sana-insana:
vinho cora no tempo.


Voz de todos intentos:
São as muralhas-ventos?
Ungüentos fortes, vêm,
Sempre bem, sempre mal.
Sou sofrendo: real, irreal.

Neusa Azevedo

Sem Importância

Uma parte se debruça em mim para mim mesma
Outra parte se levanta e canta a letra mais bela
Se eu fosse só assim: caída e melódica
Se eu fosse só assim um sim pra tudo
Quantas fadas eu teria sido?
Quantas bruxas teria assassinado?
Mas, quantas partículas eu sou?
Tenho um bosque mundial na testa.
Não, não sou festa.
Só me resta ficar sem pressa.
Vou devagar, devagar.
Que importa, hei de chegar!

Neusa Azevedo

Bolinhas saltitantes

Uma bola de gude eu jogava pra cima.
Escorregavam mais e mais bolinhas de gude.
Como um menino bom de jogo comecei a aprender.
Mas que fazer? Cada vez mais bolinhas.
Era uma brincadeira.
Simples brincadeira.
Rolavam mais e mais bolinhas de gude.
Grudei nelas, toda hora.
Mas eu não era homem e as bolinhas de gude eram muitas.
Passaram à inércia. Não as dei para amigos ou irmãos.
Não as dei para quem quer que seja.
Voaram aos céus e se tornaram estrelas.

Neusa Azevedo

Vazio da Bienal

Segundo galpão, deve ser um imenso salão
Tapetes, cores, plantas????????????????
nobre ato de deixar salão belo à espera
que vazio tão orbital é esse dessa parede?

Há tantos artistas das plásticas, dos folhetins
Há tanta gente querendo mentir o caos-fértil
Platão dizia: “o erro é um desvio para acerto”
Cismo: o vazio é um protesto do desvio do desvio?

Em minhas prateleiras escondidas na penumbra
Eu colho rosas nesse vazio, eu amo esse vazio
Mesmo que não possa compreendê-lo, retê-lo
Mas, eu lamento esse vazio. Quantos não estão?

Disseram-me que o segredo é o poder da síntese:
E ela é e somente as flores de Shakespeare-ar
Ele abana a mão à curadora linda, não, abana,
Porque talvez como Virgínia Woolf quer a irmã.

A irmã não veio. Está certamente à beira lago
À noite contando estrelas, saltitante em nuvens
Ela deve estar curando a perna de um pássaro
Ou arrumando seus caprichos...lixo, lixo, lixo

O salão posa em mim em alegrias flores-jardins
Qualquer hora ele se explode na sala comum entre outros
Mas, que a arte aguarde a poeta que ela desafia....
E Virginia Woolf morreu sem saber da polêmica vênia.

São flores perfumadas, cor verde, tantas coisas lindas e ainda em inércia.
Hei! e os que vão só para apreciar? ficam no para lá e cá medindo vazios?
Ou esse vazio é que chamo de pós-pós: colagem, emendo de fragmento-pós
Imaginem, palavras cirando e cirando em Telegrama Zeca Baleiro.

Vamos brincar de literatura de um modo que ela brinque conosco
Dando-nos a graça de nos libertar pelos cheiros de um que perfume
Mais que outros que ainda não aromatizam as frases cheias de mais frases
Vamos decretar a palavra mais forte de um gesto: Revol.

O galpão vazio é uma bela imagem de um sorriso enigmático em mim.

Neusa Azevedo

Inércia Veloz

De retrós em retrós
Eu sou veloz e veloz
Uma linha fininha
Que entra pela casa
Pela rua e urra
Urra como urra

De retrós em retrós
Sou veludosa voz
Tão gritante que
De bar em bar
Canta na vida
Despedidas, idas

De retrós em retrós
Posso?! Sonhar e sonhar?
Sonhos constantes e avantes
Sem amores no peito. Que jeito?
Sem, ao menos, pensar neles.
Amores eu me lembro que já esqueci.
São fios de seda torcidos, benditos!
Neusa Azevedo

ARNALDO

Na escola da escola encontrei
um professor que era além da escola,
o nome dele é Arnaldo, alto, alto, alto.

Por que não vejo, às vezes, esse homem Arnaldo?
Que lindo aquele professor briguento.
Melhor é nunca desperdiçar fala de aluno,
o maior engano, a maior gafe
ele aproveitava e com isso mestrava.

Hum! Hum! Brigamos por causa do gato e do rato
de Kafka: o gato domina o rato, ele dizia.
Eu retrucava: o rato pode aprender a driblar o gato,
nem sempre a imagem do forte sobressai, é a melhor.
Dois anos, deu-me ele para provar isso no Kafka.

Será que eu provei? Isso se apagou em minha memória.
Mas, ele um dia avisou-me num manuscrito:
“Pode me xingar nas madrugadas, porque eu quero
que aprenda o instrumental da língua por que a coisa
da literatura você já tem”. Em letras grafais e vermelhas.

Vermelho é meu tempo, meu digno amor de amar professor!
Meu tempo é de vermelho na roda gigante, no sorvete.
Meu tempo é vermelho de tamanha saudade e dor.

Neusa Azevedo

Lux queimor!

Estes dias ganhei um sabonete líquido.
Imaginem! Nossos tempos! Os sabões se derreteram.
Caem em nossos corpos já dissolvidos.
Hum ...que perfume amante!
Vem descendo e fazendo-me carícias,
alongando-se em aromas e frescuras.
Se quero brincar, solto a bolha pelo ar, daquele mundo box;
daquele momento moderno de modernidade contemporânea pós-pós.

Banhei-me com pedra-pomes, sabão de coco, lux, muito lux...
para chegar-me nessa hora de sabões derretidos.
Assim é meu corpo, assim são minhas sensações...
pedras, brancura e luz de luz de muita luz.

Mas, quando chegam meus pensamentos, não tenho pensador líquido.
Não, não leio ninguém que se liqüifaz em minha mente como os sabões.
Todos só me vêm acender lamparinas, velas, lampiões, lanternas....
E aí vai! Sem falar nos corredores que eles iluminam.
Quanta brasa! Quanto fogo! Quantos incensos!

Não, fogueira não. Não incendeiam matas e nem mais livros!
É bom demais! Demais!
Mas, não são líquidos! São sólidos, muito sólidos!
Pandoras de horas e horas a fio como rios e brios!
Estou que me queimo! Estou que vivo!
Queria, ao menos, um pensar derretido,
que jorrasse muita água em meus pensamentos.
Queria a serenidade e o afago calmo dos abajures.

Neusa Azevedo

Passagem e Viagem

O calor não me dá sono, sono quieto e ressonante.
Sonho com um dia frio, muito frio de agasalho.
Aquele tempo meio sombrio, talvez entre garoas paulistanas.

Um meio jeito de querer subir ao bexiga.
Andar de bar em bar, encontrar um lindo violão e uma bela canção.
De repente, o frio encolhe os ombros e abre os olhos:
o cantor canta para mim, só para mim e para quem me acompanha.
O frio tem dessas coisas surpreendentes:
aproxima-nos de outros em busca do calor.
E a canção? O músico desafia num instante
e ela paira uma vida inteirinha por dentro da gente.
Essa melodia que entrelaça mãos, olhos,
une corpos entre lençóis translúcidos, transparentes;
desperta saudades, lágrimas, suores e emoções.

Não, não que o Rio de Janeiro não seja lindo.
Não, não que não seja bom demais ser tropical.
Mas, que lindo é o clima molhado de São Paulo...
Alado, avoado, pestanejado!
Cheio de nós ao lado de nós!

Multidão em trabalhos, em protestos, em amores, em bares, em festas, em réstias, em pestes, em cristais, em molambos!

O clima tropical de milhares de cidadezinhas brasileiras
deveria verdejar férias nessa metrópole e aprender a navegar
pelas ruas na soltura das mãos dadas.
Olha! Olha! Que linda a chuvinha fininha de Sampa!
Bamba! Samba-canção! Ritmo e história na mão.
Neusa Azevedo

Viver de riscos e de ventos

Não sou fruta, sou o caroço da fruta.
Ainda bem, pois sendo fruto eu seria dada à ceia.
Assim estando ainda para virar polpa,
eu posso arquejar ao vento,
ir para lá e para cá entre os direitos humanos
em plenitude, ao léu e ao vento...
fico ao galho abundante de folhas,
as folhas inteirinhas verdes e companheiras.
O galho é ao redor de outros galhos.
Mas, sendo o porvir, eu sou a árvore do fruto.
E tudo reina, tudo é belo e tudo respira.
Porque sou ainda e sempre ainda o caroço ou a semente.
Caroço é mais bruto, semente é mais fino.
Mas, eu sou qualquer coisa bruta,
porque me dou a nascer a todo o tempo.
E também sou fina, porque as folhas,
os galhos e a árvore me dão dimensão
de minha pequenez e aí eu posso ser mais delicada.
Mais que isso: na resposta de eu sempre estar para vir,
não preciso ter medo de estar ali pendente.
Posso, posso, muito, muito mesmo jogar-me ao vento.
E que a ceia de minhas palavras salvem-se depois de tudo.
Inclusive depois de, quem sabe, alguém confundir-me com fruto.
Mas, sempre, sempre quero ter a liberdade de ser antes da fruta.
Neusa Azevedo

Daniel e Isabel

Que dor sinto em meu corpo!
Parece que firo, que alguma coisa vai se rebentar.
Será que voz velada em meu ventre quer se entregar?
Não sei, não sei mesmo, porque meu ventre é virgem, insano.
Claro, nenhuma floresta sem árvore é floresta, não pode ser floresta.
Que dia? Que dia? Não houve dia. Não gerei filho que sonhei.
Agora as horas já se fazem adormecidas, estéreis, e ninguém é o nome do filho que não vem.
Poderia chamar-se Daniel, fiel aos meus prantos e amigo de minhas alegrias.
Poderia chamar-se Isabel, melzinho a arrombar prêmios, milênios.
Seriam lindos, para mim seriam sempre pequeninos.
Mas, eu os daria ao mundo.
Nem a mim eu sei que tenho.
Então eles iriam às praças descobrir liberdades.
Que esse poema não me cause a dor do parto.
Porque filhos no universo eu não coloquei.
Neusa Azevedo

Para Luciano

Você se foi...
Não sei se para longe.
Mas, meu coração bate: você se foi.
Mesmo que não para sempre,
para sempre como éramos nós.
Sim, como nós embrulhados:
em amizades tantas;
em quereres tantos.
Sei que, “nunca mais”,
é um punhal de dor a ferir-me o peito.
Sei que eternamente
meu cigarro queima sua falta,
não há ninguém para sua cadeira,
nenhum olhar como o seu
para compreender minhas balinhas doces.
Não, não há mais, qualquer pessoa
nos momentos da dor irremediável
a devolver-me a alma,
(que muitas vezes nos queima o peito).
Você, não, não morreu...
Está cá, no mesmo continente;
no mesmo país; no mesmo estado.
Mas, está lá, onde não se mede distâncias.
Onde não posso mais lhe ver, brincar,
sorrir, jogar a vida pro alto,
pegá-la nas mãos e rebatermos bolas...
de todas as ilusões do mundo,
porque podíamos jurar ao outro,
tudo que fosse de melhor no mundo.
Você se foi...
Parece que se foi um grande amor de minha vida.
Não, não era desses amores que se ama,
em posse, em querer pegar, reter, possuir.
Era desses amores que se ama com asas,
amor pássaro, solto, voante.
Era desses amores que só quem teve um grande amigo assim
pode saber: como se fora um grande amor liberto de sensualidade,
no som coberto de nuvens e encantos.
Você se foi...
E nenhum outro dia
seremos como fôramos.
Talvez a lágrima que não cessa,
seja a chuva que busca um novo céu.
Mas, agora só dói em mim essa infinita expressão:
você se foi e as horas pararam no vazio.
Neusa Azevedo

Escola

Um dia, estive na escola...
Somar um mais um aprendi...
Um dia cresci na escola...
Filosofia e matemática,
disse, um mestre:
é a lógica do pensar.

Um dia, dois, trilhões...
Estive na escola da vida...
Mil e mil e tantos,
nunca eram lógica.
Afetos e desafetos.

Será que se soma?
Será que se reparte?
Será que se subtrai?
Não sei, nada sei.
Mas, se desafia.

Há montanhas...
Há picos...
Há tantas alturas.

Há gente que pensa que ama.
Há gente que ama.
Há gente que esquece.

Somos um.
Sempre na solidão do mundo.
Perdidos entre seres sós também.

Que matemática é essa que resta, fica e sobra um?

Neusa Azevedo

Tudo é sonho

Estou com um novelo em mãos.
Cada ninhada vai solta ao chão.
A linha é dona de uma só cor.
Azul cor, cor anil, zil azul mil.

Vai cordão imenso pelo chão.
O sonho se vai, vai, rola, rola.
Nos aposentos todos e vai...
Como se vai sonho afora.

Os sonhos invadiram o mundo.
Eu cá ainda com um novelão.
Sonhos não findam, ainda!!!
Sonhos de imagem linda, indo.

Dê cá a ponta de meus sonhos.
Dê cá preciso de minha linha.
Quebro, requebro, parto, emendo.
Cadê nuvem azul de cor linda?

Neusa Azevedo

O Riacho dos Cisnes

Há um riacho próximo à minha casa.
Tão pequenino! Tão lindo esse riacho!
Os cisnes sorvem água e olham o Céu.
Se nós, como eles em nossa sede,
voássemos o céu infinito, o sempre.
Ah... se nós, como eles: o Paraíso para nós!

Ao olharem a imensidão, os cisnes,
não mais pequenas aves são,
migram na infinitude, são o mundo,
no instante da sede e do saciar à sede.

Que belo o riacho pequenino de minha aldeia!
Que dá aos voadores cisnes o mais belo espetáculo!
São seus pescoços grandes e asas paradas,
que os maravilham no bico da sede.
Podem voar e colhem o belo na inércia do vôo.

Nós, que ousamos insistentemente a vôos,
não temos olhos espichados por pescoço;
não valorizamos nossa mente, nosso coração!
Que de minuto a minuto nos dão de graça,
(sem ao menos ter que chegar a riachos)
o poder de pensar e sentir e vislumbrar
toda a grandeza de nossa imensidão.

Pequenos, pobres, sós, miseráveis
socamos os pés, sem levantarmos cabeças.
Ficamos aquém dos cisnes de todos os riachos.
Ah! Quem nos dera sabermos saciar sedes!

Neusa Azevedo

Para qualquer amor

Se o tempo da angústia cala as mãos,
como viver meu olhar que teima em viver no seu?
Sem sentido é meu ventre que gesta o sonho de um filho seu.
Menino crescido tem um nome certo e mil incertos.
Nas minhas horas exatas mato a sede em bicas,
nas minhas horas mortas o vento não me leva embora.

Quero tudo, tudo, tudo que não vivemos...
Sou um rio profundo em meio à nossa oceanografia..
estamos mergulhando em meio aos peixes do mar..
Estamos em qualquer lugar... sim estamos.
Meu pensamento é mesmo mais rápido que vôos e pássaros.

Estou entre os céus e também entre os infernos,
pois quando tudo é pluma e leveza torna-se fogo e queima.
Somos brinquedos e crianças dissolvendo algodão doce.
Qualquer dia quebro a parede do sonho e busco você
para habitar minha vida em uma noite para sempre comigo.

Neusa Azevedo

Vãs exclamações!!!

Vãs veludos voluptuosos!
veias ventanias volantes!
vestidos vagos voandos!
velocidade vencida venda!
verde verdejante verdade!

solidão sonhos sonâmbulos!
sarcasmo sátira sapateado!
santo sapiência soletrando!
sarar saudade sossegar!

cadeia calar catalogar!
camões cervantes cruz!
cair caminhar cantar!

Dado dadaísmo dar!
Dalila datar desafiar!

Branco brancura branquear!

Apagar!

Neusa Azevedo

Morte

Hoje alguém morreu.
Todos os dias, morre muita gente.
Um sopro pousou para sempre um peito arfante.
Os instantes interrompem muito respirar.
Uma senhora olhou pela última vez o mundo.
Quantos olhares quedaram-se pela última vez a coisa-em-si!
Um gesto repousou um corpo rente.
Milhares de movimentos silenciaram-se em inércia.
Uma idosa lembrou uma escolhida lembrança.
Memórias marcantes se branquearam e partiram.
Um vulto de criança embaralhou a vista da dona envelhecida.
Imagens pueris entrelaçaram adultos e fizeram despedida.
Entre a senhora e toda gente que morreu há
uma simples e enorme diferença,
enquanto a mulher é velada na vizinhança de minha porta,
os corpos desconhecidos não têm fisionomia ou sorriso para eu lembrar.

Neusa Azevedo.

Por te querer

Vinha andando pela rua deserta,
nem apito ou buzina ou andante distraído.
Assim vinha eu andando pela rua deserta.
Sem querer me vi do mesmo modo seguindo,
minha vida vazia e eu tão repleta de mim,
de querer de viver e de ser.

Mas, não há deserto no mundo que não me fala de ti.
Poderia eu vir com toda a memória do que não há.
Poderia eu ser o bálsamo de todo porvir.
Poderia todo o mundo decretar um fim sobre todas as coisas.
Poderia o sino tocar as doze badaladas da meia-noite,
de forma louca, agonizante e rouca.
Poderia uma assombração aparecer-me anunciando o fim dos tempos.
Poderia tudo, meu pequeno e grande amor, tudo ser deflagrado.
Só não poderia no ceara que me rodeia,
tu não rodear-me, horas a fio e cheias,
com a lembrança mais bela do quanto quero amar-te ainda.

Neusa Azevedo

Pedra!

Adiei minhas decisões para o amanhã.
Talvez, as transfira para depois de amanhã.
Resultados das frustrações vagas do hoje.
Preciso sentir que cumpri um anel no dedo,
um enlace (entre meu pulso e o curso),
potente, dizente, talvez em mim malevolente.
(Mas, que algo de mim nascesse do mal para o bem.).
No transcorrer das longas horas, abafo-me de pesares,
quero cumprir um sentimento, ao menos, um novo pensamento.
Se não me movo daqui, perco as pernadas.
Só me resta pulmão e as intermináveis tragadas.
Mas, que ambição mais louca! Que louca essa ambição!
Posso, ao menos, fingir descanso em rede.
Não vim ao mundo para provar atitudes, similitudes.
Posso (ao menos sonho) estar pedra bruta à beira de me lapidar.

Neusa Azevedo

Imaginação

Hoje à noite!
Chegou hoje à noite.
Quantos dias para que chegasse esse único dia.
Vários outros dias vieram e se multiplicaram na espera de hoje.
Balbucio essa palavra redentora: ho jeee.
Estava todo o tempo indagando ao relógio por que não corria.
Estarei em meio à multidão e você estará também.
Como num passe de mágica sentará ao meu lado,
olhará em meus olhos, pegará minhas mãos.
Coisas boas falaremos, jogaremos cumprimentos ao ar.
De repente, uma carícia, o calor da vida nos queimando.
Pararemos receosos e indecisos entre um trago e outro...
O cigarro, a bebida, nossa desculpa, nossa evasão.
Depois de incessantes tentativas nosso abraço apertado no portão.
A fogueira se alastra queimando-nos as narinas frias e aromadas...
Minha boca, sua boca... quando nomearmos nossas buscas?
Seu corpo, meu corpo... caracóis perdidos em desejos de amar.
Hoje à noite é a exatidão de um sonho.
A noite começa e meu amado pode estar dentro dela.

Neusa Azevedo.

Drama

De todas as máscaras que usei,
uma me parece pregada à cara,
porque não sei ao certo se é máscara,
mas roupagem deve ser já que me mostra.

Sim, minhas faces tantas, deveriam ser simples e verdadeiras:
onde o aconchego em mim me revela a mim.
Não ouso despir-me frente ao espelho.

Quando os fragmentos se juntam eu me caibo em maquiagem,
tenho um rosto qualquer que se dá aos outros,
tenho um rosto qualquer que se quer eu.
No entanto, quando consigo me olhar antes ou depois da idealização?

Sou persona em teatros vários,
querendo ser mais pura, mais inteira, mais real.
um ser melhor no melhor dos mundos.
Se colho em meu íntimo para soltar fora, como não me copiar?

sou mesmo, inconformadamente, pedaços, desenhos, sombras.
Sou faíscas que se colam ao meu corpo, outras rodopiam e vão-se embora.
mas, a máscara que não se desprega de mim e em mim me apavora
é pensar que sei o saber de gostar, que nos dias vividos, aprendi a amar.

Neusa Azevedo

Outubro

Onde estão os fracos da sala comum?
Por onde meu olhar pousa só encontro robustos..
Como se homens e mulheres fossem estátuas armadas...
Que sala é essa em que nos encontramos?
Talvez de um teatro que se quer encenar, sem "script"
Cadê todos os homens e todas as mulheres?
Onde estão eles? Onde estão elas?
Sumiram pra fora de si mesmos. Será?
Que discurso é esse? Querem se eleger?
Vão subir em palanques cheios de máscaras,
maquiados, adornados, ressequidos...
vamos nos dar as mãos dos sonhos despedaçados?
vamos, urgentemente, correndo a galopes mil
implorar pela humanidade do homem e da mulher.

Neusa Azevedo

Entre-tantos

Em mil pessoas a escolher,
em algumas vou plantar rosas raras;
em outras vou passar perfumes nobres;
vou cuidar, tocar, amar, até esquecer.

Cada uma das pessoas que eu cruzar,
vou ou não com elas ferir-me nos espinhos;
colher as mais belas flores, jasmins.
Eu vou dizer adeus ou acompanhar.

Nessa roda de pessoas que eu encontrar,
na verdade, todas ferem, todas cheiram.
E entre milhões do mundo inteiro, todos!
Eu tenho de tudo esperar: misturas-surras.

Mas, cá baixinho no meu ser, você é mais.
Espero mais de ti, menino meu amor, de ti
E no esperar com poder, pode mais em mim.
Dá-me uma mansão de encantos ou sótãos

Entre o mundo inteiro eu vivo e amo tanto.
Mas, é você a diferença que marca o canto.

Neusa Azevedo

Uma espécie de tortura

Devo estar escrevendo o livro das horas.
No entanto, todos os minutos morrem.
Eu fico aqui, não sei por que escrevo.
Não sei por que me leio e releio.
Talvez na tentativa de passar meu ser
pelo reflexo das linhas que se preenchem.
Talvez eu queira endireitar meu corpo torto.
Quem sabe eu busque a sanidade,
qualquer coisa eu queira buscar, além de mim,
além do que posso tocar em mim.
Quero viajar além da pele.
Que meus dedos finquem minhas veias,
salvem minha alma, em mim,
enquanto há para viver.
Que eu me salgue, me adoce
na dor de ser eu mesma e
ter que inteiramente procurar
saber de mim em todo lugar:
no caos, no buraco, na sarjeta,
na dor, no sangue, na lágrima.
Até que num instante supremo a mim:
minha caneta escreva uma palavra
mágica de mágica de pular muros,
voar montanhas e alçar céus.

Neusa Azevedo

Outra Viagem

Quando estou pronta pra partir,
ainda sinto que não vou seguir viagem.
é tão difícil sair do meu canto, do meu quarto.
São meus bichinhos ruminando que estão do meu lado,
eles falam comigo, brincam comigo, são meus aliados.
Quando vou viajar é muito diferente, dói tanto.
Não sei quais são os fantasmas, as fantasias,
não sei quais as paisagens, os lençóis, os travesseiros,
que cama vai tirar-me sono a ter saudade da minha.
Não sei, não gosto quando eu vou viajar.
Sobretudo, não gosto de dividir casa com multidão.
Meu ser ali inteirinho, dividindo tudo, café da manhã,
sol, tarde, noite e madrugada.
Minha intimidade fica solta, perco-me no porão.
Sei de mim querendo esconder-me e sei que meu receio,
não, não é receio não, é mesmo medo,
é dessa coisa nova, dessa gente que nunca me viu e
também dessa gente que me vê tão bem.
Meu medo é soltar-me na floresta desconhecida,
onde eu não tenho meus controles, meus botões...
Eu vou ser de alguém, muito de alguém...
Até descobrir que sou em viagens o meu outro lado,
que descontentamente no oculto vive também, tão-bem.

Neusa Azevedo

Pena Miudinha

Que tristeza é essa em minha porta?
Sentimento de canária sem voz veloz,
dós, remi, sós, hoje não há sol nenhum.
Pra lá, pra lá, baixinho sofrer, sofrer.

Onde eu vou conseguir o canto?
Onde eu vou cantar meu manto?
Não sei dizer, nada dizer...pronto.
O pano é verônica, é santo.

A mágoa escura chora milagre.
Que tristeza é essa em minha porta?
Uma letra virando morta, torta, horta.
A chuva me faz crescer, reter.

Fiquei miudinha, grão de milho, grão.
Sou toda assim pouquinha e rocinha.
De que vale a transformação de tudo?
Ainda sou as notas profundas do mar,
navegando braços da onda da solidão.

Pra lá, pra lá: dó re mi só sou só.
Sou a tristeza mais vaga da pena canção.

Neusa Azevedo

Às vezes é claro

Gosto muito das manhãs, claras, convidativas,
Sempre diferentes das madrugadas cantantes
(essa claridade madrigal que a noite me rouba)
vem trazer-me o alívio e o bom dia,
limpo em minha alma.Tudo se inicia,
tudo é possível, como uma criança que nasce
e a vida inteira está para existir,
o dia inteiro está para ser,
página em branco que a madrugada
vai soletrar, abusar e decantar.

Neusa Azevedo

Se é pra ser amor

Minhas águas devem secar no próximo verão.
Minha boca vai calar seu grito no próximo mês.
Meu ronco no peito vai arrebentar amanhã.
Depois de amanhã eu devo te encontrar.
Lá, naquele bar, que tocou nossa primeira canção.
Até a este instante eu serei o fim de minha vida.
Pra recomeçar o tempo do mundo entre você e eu.
Entre nós as águas, o verão, o grito, o mês
e a compreensão das palavras não ditas.

Vem, meu bem, meu mal, meu sol irreal.
Vem, que seja inverno, que seja outono...
Mas que me venha tão completo e bonito.
Sempre assim: no início da noite, a promessa;
no fim da noite, o conflito e a despedida triste.

Um dia, se a primavera bater em nosso quintal,
construiremos um bangalô feito cabana tribal.
Moraremos nele infinitamente até nunca mais.

Neusa Azevedo

terça-feira, 2 de junho de 2009

Julgamento

Quem sou eu para julgar os outros?
se no meu diário escrito a dez dedos sofridos,
sou mais vil que qualquer mortal.
sou mais vil, não porque seja esterilmente má,
mas, porque minha maldade passa pela lucidez de minha razão,
penso nela, creio nela, porque sou pequena.
sim, pequena, diante de tudo aquilo que seria virtude.
porque sou capaz de dizer nesse mundo grande e rude:
eu sou uma parcela humana que sabe-se
antes de humana ser animal.
Então, como saber de alma infinda,
pura, branca tão branca que só cabe numa moldura linda?

Neusa Azevedo

Quase nunca

Quase nunca fui santa!
Mas, já rezei muito aos pés das igrejas.
Quase nunca fui obediente!
Mas já idolatrei a imagem dos mais velhos.
Quase nunca fui preconceituosa!
Mas já me vi evitando alguns em beiras de bar.
Quase nunca fui certa!
Mas privilegio sempre a honestidade.
Quase nunca fui a enterros!
Mas lamento muito os mortos.
Quase nunca defendo a riqueza!
Mas o dinheiro me alimenta a arte.
Quase nunca meus pensamentos param!
Mas um leve descansar é o que mais me arde.
Neusa Azevedo

Mais que metade

Por que nunca mais as manhãs de seus beijos?
Onde estão as noites de seu perfume?
A flor meia-noite também perdeu o cheiro.
Os lençóis são como a antártida.
Por que o fim do mundo começou?
Você se foi... às vezes isso nem é dor.
É apenas uma grande parte de mim que silenciou.

Neusa Azevedo

Velhice

Estou diante do espelho da casa grande,
os corredores atiram-me minha imagem,
sou sozinha no mundo, só eu no reflexo,
quantas rugas, anos indúbitos e largos

Espio os horizontes daquele desenho,
daquela anunciação que vai se apagar:
são minhas passagens: horas e horas,
Lamento? Quase nenhum: um quedar.

A água calma que se instala nas marcas,
ainda me diz, mesmo que em rebento:
da perda santa do beijo da vida inteira.

São vagões de um trem em disparada.
Trilhas de muitas cidades, belas idades.
Como agora: feliz aqui, isso é verdade.

Neusa Azevedo

Amigo Real

Todos os meus amigos viriam um dia,
bateriam em meu coração...
Eles seriam breves e sempre.
Aquele sinal de fim de dedicatória.

Alguém me contou, um passante,
tocou minha cabeça com palavras,
eu absorta no mar da ilusão,
vaguei entre paredes de sentimentos.

Todos os dias falo com gente,
sofrida, alegre, real e irreal.
Sou um pouco dessa serpente.

os meus amigos perfeitos,
que passam e nunca se vão,
são mais simples que meu olhar perdido.

Neusa Azevedo

Só por meu Pai

Um sentimento indefinido salta em meu coração...
Corro ao jardim, olho uma flor, que tristeza!
Caminho pelas ruas da cidade,
olhos que olho são tristes olhos.

Ajoelho-me numa igreja aos pés de um santo,
quantos milagres o fizeram branco?
Converso com amigos: falas de fim de mundo.
Sorrio ao desconhecido: restam incredulidades.

Não, não... onde estou que em nada caibo?
Vagueio em minha memória,
relembro, cada detalhe desse dia melancólico,
Era meu pai que em frente a mim me dizia:
"Estou triste hoje, minha filha;"

Neusa Azevedo

Dia Branco

Meus versos correm rasos,
despedi a dor nesta manhã
que trouxe um dia luzidio.
Despedi mesmo foi a vida
quando me isolei da dor.
Meu remorso é claro e insondável,
na esperança, apenas possível, sou vã.
Quero colher da vida o néctar:
pois, dentro do amarelo pode haver bolhas,
e vivo mais já que me revisto de contrário.
Só me resta acolher a dor.

Neusa Azevedo

Mutação das horas

Não sei quando vivo, se ainda vivo
se nas madrugadas a hora é morta
sou o instântaneo ponteiro do relógio
que já passou e não passa agora

quem me dera ser em uma hora inteira
o debruçar no teu colo inquieta e rara
saberia o dia em sol queimar-me ainda
e despedir-me formosa a noite infinda

se as batidas do tempo vão e voltam
por que não volta a razão mais linda?
motivos fáceis são flores nascendo

quero do tempo o real intento
aquele de sonhos e querelas
se por ela vivo é eterno agora

Neusa Azevedo

Partida

As flores do jardim murcharam todas
quando você foi embora...
Acordei três dias depois e as flores
ainda estavam mortas caídas ao chão.
Não houve jardineira que as tirasse do lugar.
As flores estavam mortas e ao chão.
Debrucei-me sobre os pés daquelas plantas
e meu choro as inundou.
Alguns dias depois, voltei ao jardim:
Os botões fechados já se formavam para a flor.
Minhas preces regaram os canteiros.
“Oh, Pai, fazei desta partida a minha fortaleza”.
Dormi um sono profundo acudido de noites insones.
Amanheci caminhando pelo jardim: rosas vermelhas
brilhavam pendendo felizes para mim.

Neusa Azevedo

A ilusão do tempo

Vento, vem até mim, dizer-me que tudo passou.
Nem sempre as distâncias são medidas,
Muitas vezes elas se anulam e tudo passou.
Mas, o sol está refletindo um dia novo.
Tudo, então, está por vir, tudo, tudo, tudo.
São manhãs as tardes que se despedem
e fascinam um novo horizonte.
Tudo passa e tudo está por vir.
Mesmo depois que as se cinzas dobram ao infinito.
Tudo passou e tudo está por vir.
Vento, sopra e sopra minha lembrança
que recomeça a todo instante
em que bate em meu corpo cansado e iniciante de tudo.
Já que tudo envelhece há o porvir de novo recomeçar.
Neusa Azevedo

Distância

Teu sorriso parece pérola saltitante de tua boca.
Eu não deveria me embriagar assim de tua luz.
Porque você se foi para sempre de minha vida.
Resta em mim teu cheiro inundando meus aposentos.
Nossas dúvidas tão cheias de dívidas para o amanhã.
Planos não eram alinhavados, mas as incertezas
que eram construídas no nosso tão profundo ninho de todos os dias.
É claro que a vida continua, mas sem tua presença
envergada de anos no poder de tua criancice.
O telefone pode me conduzir a tua voz,
mas e tua pele que ficou em minha pele?
Àquele calor de se transpor em rios abundantes d’água?
Qualquer dia desses a campainha vai tocar,
serás tu e tua bagagem nova de outros mares, de outros céus,
eu feliz de rever teu rosto iluminado nos abraçaremos no queimor do passado.
Neusa Azevedo

Engano

Azuis são azuis todos os meu pensamentos quando meus pensamentos são teus.
São estrelas minhas esperanças todas as minhas esperanças quando são tuas.
São estradas todos os meus caminhos quando meus caminhos são teus.

Quisera ser menor que uma onda do mar em meus devaneios,
porque tudo eu transformo quando minha mente vagueia em ti.
Mas, eu sou canária infinita e não pousa para chegar a ti.

Se um dia eu lhe perder vou temer o pensar, a espera e as retas.
Mas, para crer em ti eu sou um mar em meio a grandes nuvens.
Mas, que é isso? Quanto azul me engana que estás ao meu lado?

Neusa Azevedo

Olhos Teus

Em meus desertos todos eu vi teus olhos brilhando...
Ninguém havia ao meu lado e vi teus olhos brilhando...
Uma voz saltou de minha garganta quando teus olhos eu vi saltando...
Um caminho eu percorri entre minha voz e teus olhos cantando.

Dei a volta no deserto, vaga-lumes se acenderam.
Porque uns olhos eu vi através dos cerrados me incendiando.

(Se dentre milhões de olhos que há no mundo,
eu vir teus olhos eu me enfeitarei como uma ave de rapina.)

Qualquer coisa dentro dos olhos teus meus olhos queria.
E que olhos preferidos entre milhões de outros olhos!
Ah! eu queria, mesmo em deserto, viver nos olhos teus.

Neusa Azevedo

O Silêncio do Amor

Houve um tempo em que meu pulso pedia sua fala.
Não numa prosa qualquer, mas como a do néctar da flor.
Como se eu então fosse as pétalas em silêncios.
De um jeito que você só balbuciasse adivinhos.

Estaria ali frente a mim de todos os ângulos.
Neste estar diante de qualquer maneira em beiras,
você estaria decantando minhas palavras mudas.
Porque delas você era, então, o centro que sonhei.

E o que você diria enfim? O que sonhei eu?
Você diria que todo nosso ato de amor
fora completo, completo de uma completude
que apenas o centro amarelo de uma flor
seria capaz de sugar entregando o pó.
O pó que esvoaça em nossas narinas.
O aroma então nos faria misturar
o círculo colorido e redondo às pétalas.
E nossos corpos seriam a natureza
repleta porque no fim nossos desejos
seriam mais raros e meu silêncio
que de segundo a segundo lhe dizia em
meus atos o quanto o amor era amor
se veria então compreendido.
O amor seria um ato único em sua palavra única.

Neusa Azevedo

O tempo de Minha Solidão

Eu vivo a solidão de todos os tempos...
Estive na grécia e criei lirismo só com lesbos..
Fui em roma e lutei sozinha com espartacus..
Namorei meu amigo distante nas cantigas de trovador em portugal...
Cai no mar com camões e afoguei abraçada ao livro inédito...
estive na ânsia de leonardo por ser tudo...
briguei em salvador e fui expulsa como gregório...
fui de uma única cidade como kant..
atravessei as revoluções de um mundo sempre sedento de mais revoluções...
assisti aos homens aprenderem o horário do trabalho...
as guerras jorraram em mim sangue dos meus descendentes...
cheguei bipartida, tripartida e fragmentada na era do existencialismo..
o globo rodopiou meu olhar...
sou tópicos isolados das faculdades de pés, de detalhes, de ordem e cronômetro..
sou o grito da tecnologia que me enrosca em qualquer tempo, em qualquer hora...
sou só, tremendamente só, esperando romper o calor vazio do meu travesseiro
com a luz transcendente do meu computador.
Neusa Azevedo

Mais Além!

Quero ser alguém que faça diferença,
quando eu me tornar além, que
uma semente tenha crescido árvore.
Antes mesmo que esse fruto possa existir,
eu ainda viva, muito viva, tenha rebuscado
a palavra igualdade no gesto dela.
Tomara que anterior ao tempo da eqüidade,
eu viaje pelos seios da mãe natureza e me embebeda
do leite materno da terra inteirinha e aprenda
o que é ter passado pelo chão de tudo que há:
perdão, louvor, compreensão e mais que tudo amor.
Neusa Azevedo

Desordem

Eu queria nesta noite escura e fria,
lembrar teus beijos de verão e sabor.
Eu queria em meus lençóis, esquecer o gelo que o sono chama, sem você.
Eu queria, quando o meu peito mais bate, tocar mais forte o teu amor.
Eu queria acordar-te para tudo o que mundo clama, chama, adiciona.
Eu queria contar-te que é desordem em meu pensamento.
Eu queria querer que me organizasse.
Mas, não quero, não quero nada,
só apiedar-me nos neologismos desorganizados de querer-te tanto assim.
Ah, se soubesses, meu bem, o quanto te quero e te amo em minha imaginação.
Ah, se soubesses de tamanho querer, tu voarias aos nossos inícios...
Sim a todos os nossos inícios do começo ao fim.
Neusa Azevedo

Medida

Não vegetal eu não sou.
Sou a folha de alface.
Não coqueiro eu não sou.
Sou o coco que cai.
Não tempero eu não sou.
Sou o sal que esparrama.
Não uma festa eu não sou.
Sou os poucos que restam.
Não uma cidade eu não sou.
Sou a praça esquecida.
Não uma fazenda eu não sou.
Sou a novilha que berra.
Não um retrós eu não sou.
Sou a linha que costura.
Não um chapéu eu não sou.
Sou a sombra da testa.
Não uma língua eu não sou.
Sou o português alquebrado.
Não o mundo eu não sou.
Sou o universo de um verso.
Se o todo eu não sou,
só parte é tudo e sou.

Neusa Azevedo

Canto Mundo Violão

Eu canto tanto
Eu peço ao mundo
Tende piedade de mim
Tem dó de tanto sonho
Canto para não morreeer
Apenas neste canto existo
Nada mais em mim
Nem início, nem fim
Eva ou Adão
Pecado ou consolação ão, ão, ããã

Eu canto mundo violão
Eu canto a melodia
A via, a via que havia

A música me acorda
Corda de uma valente canção
Sou negro branco, sou branco negro
Sou rosa canção

Eu canto tanto
E peço ao mundooo
Tende piedade de mim
Tem dó de tanto sooonho

Eu canto para não morrer
Eu canto mundo violão
Eu canto a melodia
A via, a via que havia

A música me acorda
Corda de uma valente canção
Sou negro branco, sou branco negro
Sou rosa canção
Sou negro branco, sou branco negro
Sou rosa canção

Neusa Azevedo

Sina berlinda

Todo o tempo, tempo, tempo
Só vivo o sonho, do sonho, pro sonho
Toda vida dentro de mim
A vida sou eu
Busco estrelas do amanhecer
Quero estrelas da claridade
Sei que elas iluminam
Sei que elas alucinam

Sina, sina berlinda
A vida é linda. Linda, linda.
Luz do sol, luz do sol.

Todo o tempo, tempo, tempo
Só vivo o sonho, do sonho, pro sonho
Toda vida dentro de mim
A vida sou eu
Busco estrelas do amanhecer
Quero estrelas da claridade
Sei que elas iluminam
Sei que elas alucinam

Sina, sina berlinda
A vida é linda. Linda, linda.
Luz do sol, luz do sol.

Neusa Azevedo

Mendiga Esperança

Tudo há de vir para mim
Não velarei sonâmbulos
Tudo há de vir para mim
Não farei viagens sem fim


Tudo há de vir para mim
Não mais seguirei só comigo
Tudo há de vir para mim
O sol brilha na noite,
estrelas no dia
E sou o chão da terra
Caminho sobre a terra
Além do horizonte

Tudo há de vir para mim
Num Deus que me dá a descobrir
Que tudo há de vir para mim
Posso alçar estrelas
Posso alcançar a altura da terra

Tudo há de vir para nós
Que depois de sermos pó
Dissolvemos no céu

Tudo há de vir par nós
Que depois de sermos pó
Dissolvemos no céu

Tudo há de vir para nós
Que depois de sermos pó
Dissolvemos no céu

Neusa Azevedo

Impulsos Perfeitos

Menina ina, ina, ina
Que um dia pisou meus passos
Dobrei a esquina,
Nossos olhos não se viram,
Não se viram não.

No bar tempos depois,
A menina maior que antes,
Afogava-se em bebida
Tonteando os olhares
De quem havia por lá.

Canção pequena, pequenas histórias
Lorotas, nada a dizer
Se não for por descuido
Minto por prazer


Nos vimos dois olhos,
Calamos as bocas,
Cheiramos cabelos,
Impulsos perfeitos.
Menina dos passos,
Do bar que descuido.
E brinco com ela de ser feliz
Nos meus dias disfarçados
de pouca dor.

No bar tempos depois,
A menina maior que antes,
Afogava-se em bebida
Tonteando os olhares
De quem havia por lá.

Menina ina, ina, ina,
Olha a menina ina, ina, linda.
Menina ina, ina, ina
Olha a menina linda, linda, ina

Neusa Azevedo

Receita

Proudhon já dizia:
“A propriedade é um roubo”
Será que ele mesmo cria? Sim será?

Então me entregue o que é seu
Do meu lado entrego-lhe o que é meu
Só pra começar dê-me alimento
Mas, não me invada o pensamento.

Dê-me mais valia,
Um colchão, um lugar, um canto.
Um sorriso meio fraco, notas de alegria.

Então me entregue o que é seu
Do meu lado entrego-lhe o que é meu
Só pra começar dê-me alimento
Mas, não me invada o pensamento.

Proudhon já dizia:
“A propriedade é um roubo”
Será que ele mesmo cria? Sim será?

Dou-lhe sorte, sentimento
Um sorriso de pudor
Divido alegria junto à minha dor Hoooooo

Poderá se arrepender por um pequeno momento
Resta no quarto do fundo a culpa
Assina, alivia a receita
Há poucos com muito
E tantos com pouco
Então ceda, cedaaa, cedaaa

Proudhon já dizia:
“A propriedade é um roubo”
Será que ele mesmo cria? Sim será?

Neusa Azevedo

Céu e Mar

O meu amor foi ao céu
Quando vi suas asas
Alcancei estrelas
Todas veias sem perdão

A queda viu meu amor
Em meus braços sós na água
Profunda do mar
Nós dois a afogar

Salvar os corpos
Utopia de um grande céu
Na areia branca dos meus olhos
A imagem do meu amor
Salvar os corpos
Utopia de um grande céu
Num momento um relicário
Lindo a nos enlouquecer
Só eu e você

Segredos vindo aos meus pés
Num enredo de palavras
Mágica de sonhos
Todas veias em perdão

A brisa pura de olhar
Que me cega o horizonte
Te amando sempre
E mergulhado em mim

Salvar os corpos
Utopia de um grande céu
Na areia branca dos meus olhos
A imagem do meu amor
Salvar os corpos
Utopia de um grande céu
Num momento um relicário
Lindo a nos enlouquecer
Só eu e você

Neusa Azevedo e Luciano Lannder

Todo o Amor do Mundo

O meu amor é meu pai e me protege.
È minha mãe e muda de sexo.
O meu amor é meu irmão e brinca comigo.
É meu filho e lhe entrego a alma.

Este é meu amor pai, mãe, irmão e filho.
Mas, além muito além, meu amor é meu amigo.
Trocamos carinhos, confidências, segredos.
Descobrimos que o tempo é eterno.

Para quê medo? Para quê estender a dor?
Meu amor é alegria, dia, noite e noite e dia.
È que o amor no claro e no escuro é colorido puro.
Tememos não temer quando nossas mãos são uma só mão.

Vem, meu amor, você que nunca vai.
Vem, meu pequeno, você que amamento.
Vem, meu companheiro, meu sonho derradeiro.
Vem, minha calma, presente de minh’alma.
Neusa Azevedo

O Mistério das Águas


Os barcos partiram do porto, não voltaram.

Meus olhos silenciosos pararam no horizonte.

Horas e horas os ponteiros nada marcaram.

O barco se foi e nenhum outro chegou, nunca mais.

Há mesmo ilhas que só fazem deixar partir.

Onde se acha o barco que reuniu minha gente?

Os anciões queridos, os amigos amados, a família de laços?

Onde se perderam todos naquela viagem?

Deve haver um céu que o grande livro nos prometeu.

Tomara àquele barco tenha encontrado o paraíso.

Eu estou aqui, ainda no porto, à espera.

Não deveria partir quem é mais que ilha.

Estou nas águas jogando papéis e vendo bolhinhas.

As águas devem se mexer nesse grande mar.

Pois, que meus olhos são as ondas que não posso enxergar.

Por que haveremos de perder todos para o mistério?

Ah, meu barco, se não volta quero o seu caminho encontrar.

Todos estão no nunca mais e eu cá sem horas passar.

Neusa Azevedo

Caetano é Lindo


“Pra que rimar amor e dor?”

Estou caetaneando, uma,

duas, três, e perdi contas,

não quero saber as vezes.

“Pra que rimar amor e dor?”

Ele vai recantando, lindo...

Ele descobriu a rima, ima.

Or, or, or! Viu valor. Or!

Afinal, são coisas da vida.

Não fosse o amor que dor?

Não fosse a dor que amor?

Telas de Feline, Manzine.

Qualquer dia caetaneando,

vou ao poço sensível, ali

ligar a razão da sem-cem

razão de coração-solidão.

Pra que rimar, rimar, rimar?

Pra que imaginar, imaginar?

Pra que ferir, ferir, ferir, rir?

Pra que sofrer, ser e temer?

“Melhor mesmo é a rima,

que se repete, e peteca

meu violão de mão em mão:

“Pra que rimar amor e dor?”

Neusa Azevedo

sempre Filhos

Quantas mães eu tenho?
Remendos vazios de filho.
Quantas mães eu tenho?
Necessidades de perdão.
Quantas mães me vigiam?
Proibições de ir à contramão.
Quantas mães são eternas?
São eras-eras primaveras.
Elas vêm habitam o reino,
dão-nos leite, carinho, dor.
Mães canguru, mães bolsas.
Mães saltam com filhos.
Floresta amazônica: se
perdem o verde e os filhotes,
ameaçam o mundo de extinção.

Ao dar a luz, a mãe aperta
o bichinho do filho no peito.
Um selo o pequeno recebe:
Um amor para o sempre,
para todo o sempre.
Pode ele navegar mares,
voar céus;
romper estradas;
tornar-se homem;
tornar-se mulher;
que a mãe, envergada de anos,
ainda sorri eterna;
ainda é instinto-canguru
e quer salvar o ar do mundo
no pulmão amazônico.

Quem não sabe?
Quem um dia não
nasceu filho de uma mãe?
de um pai ou de uma mata?

Neusa Azevedo

NO CÉU E NA TERRA

Qual o tempo ideal de vida deve ter os que amamos?
Talvez mil anos e nós novecentos e noventa e nove.
Sim, para não vermos partir sempre os que amamos.
Que nós deixemos a maior dor aos que seguem depois.

Todos querem ir depois porque amar é querer reter.
Então, quem iria se todos se prendem ao não perder?
Quem vai na morte não se tem idade, se 15, se 90.
O tempo de vida é inútil na separação, é insuficiente.

O amor se vê partido, um no céu outro na terra.
Muitos no céu, outros na terra, tudo se divide.
Quem amou parte verdadeiramente? Despede-se?

Não, não se despede, parte para a poltrona de Deus.
Vigia a quem fica na terra, cuida, manda bênçãos.
Uma mãe que se vai abana o vento nos seus filhos.

Neusa Azevedo

Incertezas

Onde o pássaro foi cantar aquela canção mais linda?

Em que lugar o barco aportou e não o vejo ainda?

Qual jardim viu desabrochar a flor infinda?

Qual horizonte faz com que meu olhar finda?

O que será? O que será? O que será?

São muitos os caminhos, não quero ficar.

Vamos todos partir para o porto solidão.

Vamos todos desafiar o deserto, ser mão.

O pássaro ainda vai cantar na ilha pra você.

O barco ainda vai voltar ao mesmo porto.

A flor do sempre ainda anuncia dias e dias.

O horizonte mais belo é além do que se vê.

Pássaro, quanto tempo se leva numa canção?

Quanto tempo se espera o barco aportar?

Qual flor é infinda, infinda e linda só de olhar?

Neusa Azevedo